quinta-feira, 9 de novembro de 2017

JÚPITER, PODE SER?



[para ler ouvindo "Júpiter", canção de SILVA]

Chegou com umas ideias malucas de que se mudaria para outro planeta. Eu só queria sentir o sol ancorar na pele, ver a lua crescer de perto. Bem verdade que aqueles dias tinham se acostumado a empurrar quilos de tédio para debaixo dos meus olhos, mas eu vi quando a distração cresceu e fez curva dentro dele.
– Júpiter, pode ser?
O convite não me roubou susto algum. Talvez eu já esperasse, de certo modo, entrar em órbita, dadas as circunstâncias de nossas vidas, dado o silêncio de nossa casa que, de tão quieta, desaprendia a ser lar, no meio da bagunça daquela rua.
A gente nunca achou que incomodaria, porém, depois de nossas mãos dadas na calçada, vieram o barulho das panelas, das pedras jogadas no telhado, a falta de paz.
 – Eu vou te tirar daqui – Ele me prometeu, enquanto, ainda distraído, observava o desamor crescer como capim em frente à casa ao lado. A grama do vizinho não era mais verde que a nossa.
Então, eu aceitei. Começava a gostar da ideia de começar de novo, só que distante dali. Disse que poderia, sim, ser Júpiter. Tão grande corpo iluminado deveria caber nosso sentimento ofuscado. Peguei o meu jeans, um maço de cigarro e o casaco laranja que ele tanto gostava.  Tapamos os olhos e ouvidos

e perdemos
a gravidade.

A viagem durou apenas um beijo. Júpiter era um estado de espírito dentro da gente, lugar físico entre nosso abraço. Esteve sempre lá, como um jardim do éden desabitado, virgem de culpa, política ou julgamento. Era o que existia em nós, não um defeito. A possibilidade de se mostrar diferente, de ser feliz e ponto, apesar dos vizinhos. Eles tentaram impedir nossa mudança, disseram que estávamos doentes, buscaram uma cura. Não puderam evitar: aterrissamos em nós. Hoje são obrigados a contar a história de um amor que foi morar em Júpiter de tão grande que não cabia.




sábado, 16 de setembro de 2017

MANIF-ENREDO DE UM CORAÇÃO TROUXA


tu que faz do meu coração escola de samba, aquiete o passo. A avenida é curta e o carnaval já passou. Não acompanhaste a tua ala, ficou – sozinho – bobo da corte. Teu rosto recusa máscara: ornato falso nunca cobriu falsidade. 
Rapaz de jeito torto que não aprendeu a amar-mansinho, fuja dessas minhas linhas e do meu caminho. Meu bloco está na rua: “EU-PIERROT-DE-MIM” vai passar:
Na contramão do teu desamor, eu quis armar minha alegoria, porém a bateria de tuas mentiras sempre ecoou mais alto (>><8&¨%57 PEDI PRA PARAR, PARÔ >><8&¨%57)

E eu já estou quase surdo.

Preparem-me agora uma bossa, não tão nova, mas bossa. Porque até meu ritmo desejo mudar.

Lembra quando tu, passarinho, derramaste confetes sobre a minha solidão? Eu acreditei ser parte do teu enredo, todavia a tua comissão de frente colocou em desalinho a minha história. Fui só as cinzas da quarta e quando chegou a quinta-feira, eu não quis ser mais nada.

Tão bem vestido de mestre-sala dançou com minha dor, pregada em vislumbroso estandarte e toda a arquibancada viu. A cuíca não gemeu sozinha.

Solto, meu coração volta hoje para o barracão, sem fantasia, sem adereço, mas livre porque do teu carnaval só restou a sapucaí.

Ano que vem eu sou todo frevo. 
Passe longe de Olinda.







sexta-feira, 1 de abril de 2016

SOBRE BARBAS, BATONS E PORTAS SE ABRINDO

Quando a cortina se abriu, o primeiro arrepio bailou no meu corpo. Minhas veias se fecharam, enrubesci sob a luz vermelha. Infinitamente sozinho e perdidamente incompreendido pela névoa branca que cobria todo o palco.
O silêncio quase físico vindo dos bancos vazios da plateia aguçou meus sentidos. Cada pelo de minha barba espetava violentamente o meu rosto enquanto o tecido branco do meu vestido acariciava suavemente a minha pele. Senti o batom vibrar em cor por sobre os meus lábios; o rímel puxando meus cílios.
Houve um sinal e então a música começou. A primeira batida drasticamente chutou meu estômago, de modo que o meu corpo jogou-se para trás. Encolhi-me defensivamente. Em vão.
A segunda batida levou-me para o lado direito. Em um quase rodopio, percebi assustado, embora não surpreso que deixara de me pertencer por completo, como eu sabia que aconteceria tanto mais cedo ou tarde.
A batalha havia começado. A música orquestrava o meu corpo que se debatia em movimentos circulares por todo espaço do palco, as mãos teciam pequenos e delicados nós de vento no ar.  
Senti a terceira batida dentro da minha cabeça, uma forte pancada. Quase acostumado àquela dor, respondi, sem mais hesitar, aos comandos de movimento que me eram dados.
Depois de um tempo, se seguiu uma breve pausa. Quando, finalmente, avistei no vazio da plateia os olhos de quem eu esperava. Duas armas apontadas em minha direção. Sucumbi ao prazer de ser observado por Ele, o imperador de todo o meu mundo, coreógrafo de minha dor.
 Fim da pausa.
 A quarta batida me tornou fogo. Desviei os olhos da direção do meu dono e, não suportando o peso do meu corpo por sobre os saltos, caí queimando no chão.
Chamas misturaram-se ao meu sangue. Contorci o corpo. Silenciosamente, gritei. No ritmo da música, minha dança era um pedido de socorro. Oscilava entre a angústia e a combustão como a chama de uma vela oscila na presença de qualquer suave brisa.
Passaram-se ainda três segundos até que então a minha mente se fundiu. E tudo ficou gelado. De repente fui transportado para o meu locus:
o quarto da minha mãe parecia o mesmo de anos atrás. Com atenção e crescente espanto, observei os pequenos detalhes do ambiente, a cama perfeitamente forrada, os travesseiros despojados por sobre o lençol florido. Tudo era paz. Menos aquela voz.
Você sabe que não pode fazer isso, menino. Você sabe que pode ir para inferno, não é? Isso é coisa de menina, você não nasceu menina. Se a mamãe descobre. Ai, eu nem quero ver. Seu pai tem vergonha de você, você sabe disso também. Por isso que ele deixou a mamãe. Ele tem vergonha do filho bichona. Maricona! Maricona! Solta esse batom. Lembra-se da vez que ele te levou para a escola de futebol? Você nem sabia chutar a bola. Qual pai quer um filho assim? Ele tentou dar um jeito em você, mas você veio quebrado, doente. Maricona! MARICONA! Bicha! Veado!
Certifiquei-me de fechar a porta antes de sentar-me em frente à penteadeira. Percorrendo as gavetas meus dedos, apesar dos anos, ainda sabiam onde encontrá-los. O mesmo formato cilíndrico. As mesmas cores. Meu gosto permanecia o mesmo também: sempre vibrante, sempre: Vermelho. Ao menos no espelho, só eu que não era aquele mesmo menino. O da voz que continuava a berrar.
A mamãe tá chegando. Ela vai ver que o papai tinha razão. Você é bicha. Sempre foi.
Bloqueei o pensamento para não borrar o batom por distração. Finalizei, encostando suavemente um lábio no outro. Encarei o espelho: barba, rímel, vermelho da boca.
Passadas no corredor.
Mão na maçaneta.
Porta se abrindo.
Voz da minha mãe.
– Filho!
A quinta batida me levou de volta ao palco. Dessa vez, não havia luz, nem música e as cortinas haviam se fechado diante de mim. Não pude ver os bancos da plateia, mas ainda sentia a desconfortável presença dele. Ele que, na verdade, era eu próprio. Eu, coreógrafo de minha própria dor, orquestrando pérfidos sentimentos.
Eu me fitava: não reconhecia aquela criança que parecia tão bem acomodada em trajes de jogador de futebol segurando, por entre os braços, uma bola.
– Bichona! – Aquele meu outro eu berrou seguramente.
Houve a batida. A música retornou insuportavelmente mais alta. As cortinas se abriram novamente. Foco de luz vermelha por sobre mim.
    Mas dessa vez não houve incêndio. Não houve arrepio e meu corpo não bailou ao som da música. Parado, eu me acolhi. Percebendo-me chave para as portas que eu mesmo havia trancado. Aceitei-me a mim próprio, dando-me, finalmente, o direito de ser barba, batom e bicha.
–Bicha! Doente! Tenho vergonha de você. – permanecia a voz ecoando em vão naquele vão vazio.
Até que tudo foi, gradativamente, tornando-se vento, inclusive ele. Aquele Ele tão distante, tão terceira pessoa, o ele que nunca foi eu.
Desfez-se também o palco. Só sobrou o que de mim sempre foi meu. A porta se rompeu, enfim. Lá fora, outro locus:
A leveza de ser exatamente o que se é produz certo tipo alegre de sentimento. A liberdade única de morar no hall da própria alma, da própria casa, um campo tão conhecido, um paraíso sereno: a minha alma arrumada, a minha casa perfumada, o meu oásis solitário, onde a partir dali eu ficaria me pertencendo até o infinito. 
Nunca tive asas, mas sempre adorei voar. 

quarta-feira, 30 de março de 2016



Não tinha muito tempo para ficar pensando em sexo, uma vida corrida, tanto prato para lavar, sabia o mínimo, deitava na cama, ele por cima. Vinte minutos no máximo até não aguentar mais, um cheiro de podre, uma pele suja. Você bebeu não foi, José? Agora não, agora não. Tudo aquilo no meio dos mesmos movimentos de vai-e-vem, a cama escandalosíssima, Pedrinho lá no outro quarto dormindo. Vai com calma, Zé. Tão cansada, enfadada daquele mesmo ritual toda noite, lembrou-se de Amarilda, ai! Como ela queria: as coxas, o entorno do pescoço fino, as ancas belíssimas. Amarilda também queria porque ela sabia, aquele olhar da semana passada na quitanda do seu Ernesto. Rum! Amarilda é sapatão, menina. Carmem tinha confirmado. E sabe chupar gostoso, melhor do que homem original. José em cima dela quase gritou, interrompeu os pensamentos,se contorcendo todo, ridículo. Vou gozar, vou gozar. Goza, desgraçado, e sai logo de cima de mim, pensou. Ahhhhhhhh, gozei! Sai, zé, de cima de mim. Acabou. Cambaleou até o banheiro da cozinha, doida pra se lavar e voltar pra cama, amanhã cedo levar Pedrinho no posto pra saber daquela gripe que não passa. Cof! Cof! Vixe! Era o que faltava. Até ela tossia agora. Voltou a pensar naquela outra. As palavras de Carmem ainda na cabeça. Que Amarilda era sapatão todo mundo sabia. Assim como sabiam também do caso que ela teve com a filha de seu Manoel, as duas se enrabicharam nas vésperas do casamento da menina. Depois a família, para esconder o sucedido, espalhou que o noivo, coitado, era que não prestava. Imagina se filha de seu Manoel, bem cuidada e criada, daria pra sapatão. Ninguém aceitaria. Abriu o chuveiro, a água foi tirando o ranço de cachaceiro. uhn, uhn, uhn. Lembrou outra vez do encontro casual na quitanda. Amarilda oferecendo ajuda para levar as sacolas. Deixa eu ajudar, flor. É caminho de minha casa... Carece não, mulher. Tá leve e eu ainda vou passar na casa de Carmem. A voz: calma como a água que caía do chuveiro... Veio aquela vontade conhecida de! ahhhhhhhhhhh... Pensou, como das últimas três vezes, em Amarilda: boca, voz, ancas, língua, coxas, pescoço. e gozou também. Muito mais que José, coitado. Fechou o chuveiro. Ouviu o desgraçado gritando. Traz água pra mim aí. Vai acordar Pedrinho, HOMEM. E falou 'homem' como quem fala corno. Voltou para o quarto: a água na mão e uma certeza na cabeça: assim que amanhecesse e José fosse trabalhar,procuraria Amarilda. A tosse de Pedrinho a gente cura com remédio caseiro. No posto nunca tem médico mesmo. Ela que não poderia esperar mais, afinal remédio caseiro não resolveria sua situação e estava cansadíssima de tomar toda noite o mesmo xarope branco e azedo de José.





16 de Março de 2015
Mateus Lima

quarta-feira, 18 de novembro de 2015




Para escutar ao som de Bel Air da Lana Del Rey na companhia de Douglas Borges, amigo das madrugadas inspiradoras.
Todos os bons ventos ainda sopram por nós dois, ao que parece. A luz da noite sempre tocou gélida a minha pele, porém agora com a minha alma tão desnuda, o luar empalidece e clarifica os sentidos que não me abandonaram. Ainda vejo e escuto. Não compreendo o chão.
Levito por cima das tortas ruas da cidade, percebo as falhas por entre as pedras mal colocadas da calçada. Um perigo para seres distraídos, desajeitados como fui até a hora anterior. Vagueio, rejeitando, porém, a ideia de me irritar com tamanha bobagem como a possibilidade de tropeçar e cair.
Por um descuido proposital dos meus olhos, atendi a urgência de ler um verso novo. A dor, afinal, não foi tanta. Quem disse que morrer dói, nunca morreu. Aliás, sinto só agora a morte. Sinto-a branda, doce. Sinto-a viva. Deixei a vida como quem termina de ler um bom poema: em êxtase.
Espero na frente do meu novo endereço. Tenho já preparado um cômodo para o meu descanso, como me foi prometido no último sonho. Palmeiras espreitam a entrada, um corpo se revela por entre a névoa. Ele: minha última e mais poética palavra. Razão da minha vida e agora também sentido da minha morte.
Não há medo. Não posso esperar para vê-lo novamente. Gárgulas em frente ao seu portão.
– Venha para mim, amor – soa sinfônica a sua voz.
Vou ao encontro.
Espreito um momento ao redor de sua aura. Sinto-me em esplêndida redenção. Meu amor é um anjo e eu o amo com a inocência dos primeiros dias no éden. Toco sua pele. Minha doce criança, você é divino. Não é errado brilhar assim. Também eu me torno luz, enfim.
Em um lugar no qual a vida não é mais do que uma das tantas utopias possíveis, o amor permanece viável.  Encontramo-nos onde nascem os sonhos dos mortos e, então, voltamos a viver mais uma vez.

Fim. Início.

terça-feira, 9 de junho de 2015

SOBRE ECOS DE UM M

sinto-essas palavras quei(M)are(M) por debaixo de (M)inha epider(M)e. 

tua vontade i(M)plora voz, enquanto (M)eus dedos rabisca(M) repetida(M)ente: (M)... (M)... (M)...
A própria letra que traduz o estado de (M)ês novo.

Se tua presença (M)e é negada por esses (poucos?) quilô(M)etros que ainda nos separa(M), o teu cheiro de (M)udança, chocolate (preto!) e (M)enino artista conforta(M) tua ausência nesses (M)eus dias opacos.
Liberto agora a tua letra dessas grades disfarçadas que cha(M)a(M) de parênteses:
(M) 
(M...
M... 
M (...)

para que ela possa brincar entre os versos de todas as Minhas próxiMas poesias. Se te escrevo hoje é só porque tua inspiração Me serve de título.
que dure eterno esse eco de M m M mm M mmm MM...
pois além de teus olhos, o teu noMe é tudo que consigo iMaginar.

sábado, 30 de novembro de 2013

SOBRE O LITORAL, A CAATINGA E UM SENTIMENTO QUE AGUARDA ANSIOSO NA PRÓXIMA ESQUINA


[Que essas palavras saibam encontrar o caminho até a tua boca – bem mais minha do que tua. Que as palavras beijem a tua boca como eu faria se estivesse perto de você agora.]

Te encontrei e você é a poesia completa que eu esperava.  Aquele tipo de soneto cheio de metáforas bem construídas: rosas e raios de sol eternizando um mesmo verso.

Tudo no lugar. Tudo pronto para acontecer. Borrifei borboletas por toda casa, só para suportar respirar o novo, o que vai chegar: você, o moço bonito todo azul.

Esse teu cheiro de onda batendo na praia invadiu meus dias desertos.  Tua novidade calou o meu tédio.

Silêncio ao redor. Entre nós a certeza do tamanho do sentimento por acontecer.


Pela beleza do gesto, já te sinto transbordando em mim.